domingo, 27 de setembro de 2015

Bikanir

Bikanir é algum lugar nos confins da Índia, onde um velho vendedor de Bíblias adquiriu um livro mágico. Esse livro não tem fim ou começo. É chamado por Borges de Livro de Areia, pois, segundo ele, também a areia é inifinita, sem fim nem começo.
Também o tempo é infinito, bem como o espaço. Quanto à vida, não se sabe. Temos certeza da morte, mas não sabemos o que vem depois. Como será a sensação de morrer? Eu não quero saber tão cedo. Aliás, quero saber bem tarde, quando meu corpo já estiver tão cansado que eu já não possa mais saborear um delicioso tempero ou ouvir uma agradável melodia.
Quando meus olhos não mais puderem ver, ainda terei as sombras na imaginação. Mas como será a vida daqueles que não sonham? Eu tenho tido sonhos doidos, que não percebem os limites da realidade. Meus sonhos têm continuidade e se misturam à vida real. Eu me preocupo, converso, discuto questões importantes, conto histórias, penso nas obrigações. Não são sonhos comuns.
Quanto à realidade, tenho cada vez mais tentado levá-la na brincadeira. Prometi a mim mesma ser mais feliz. Não vou me estressar com pequenas coisas, e vou continuar perseguindo meus sonhos.
Vou dar mais valor a tudo o que gosto, vou dar mais tempo para as coisas divertidas e para as pessoas que amo. Do que não gosto, simplesmente vou fazer somente o necessário e inadiável. Recomendo a todos que façam o mesmo, e tenho certeza que serão mais felizes. Sabe aquela propaganda, "Leve a vida leve"? Pois é. Pra quê se irritar?

Olho para trás e vejo um céu azul. As nuvens se vão e o sol brilha novamente. O verde agora é mais verde, revitalizado pela chuva que caiu. Mas isso nada tem a ver com Bikanir. Vou dedicar-me agora às pesquisas da faculdade. Mas logo voltarei...
Era uma vez uma menina que queria ser fotógrafa. Ela adorava eternizar imagens, embora não soubesse muito sobre técnicas de fotografia.
Depois de participar de dois concursos fotográficos, resolveu se dedicar mais ao assunto. Foi à Biblioteca da Universidade e pegou uma meia dúzia de livros técnicos.
Saiu carregada, levando nos braços uma esperança de inspiração e conhecimento. No caminho, ouviu um assobio que vinha do chão. Olhou para baixo e viu um picapau, pulando na sua frente.
Cuidadosamente, abaixou-se na beira da calçada e largou os livros. Com movimentos sutis, sacou a câmera da bolsa. O picapau parou e a encarou. Ela ajustou e fotografou. O picapau deu uns pulos e subiu numa árvore, bem na frente dela.
Seguiu-se uma sequência de disparos, ela fotografando e o picapau fazendo pose. Quando achou que já tinha "a foto", encarou o picapau. Por um instante, teve a impressão de que ele se despedia.
Então a ave voou, deixando a menina agradecida pelo presente da natureza...

cheiros e lembranças

Passara a tarde dormindo. Chovia, e o som da água caindo no quintal lhe deixava com preguiça. Ao abrir os olhos, não tinha certeza se queria acordar. Estava sonhando com ele...


O computador estava ligado, ao lado dela, mal se levantou para espiar se havia algum novo recado. Viu que ele passou por ali... correu para mandar um recado, ele respondeu prontamente. Pouco depois, ligou para ele.


"Só pra saber se está tudo bem", disse ela, assim que ele atendeu. Ele pareceu feliz e surpreso com a ligação. O que deveria ser uma conversa de alguns segundos, durou um bom tempo... ele a fazia feliz com as palavras. Ela se deitou no quarto escuro, fechou os olhos, apenas ouvia a voz dele. Deixou-se imaginar onde ele estava, o que vestia...


A chuva não parava, aumentava cada vez mais. Ela lembrou da primeira tarde que passaram juntos. Era quarta-feira, e chovia como nessa tarde. Ele falava, ela imaginava. Gostavam de conversar, trocavam confidências. Ela sabia mais da vida dele do que de qualquer outro amigo. Ele sabia detalhes da vida dela que nenhum outro amigo sabia...


Ele disse tudo o que ela queria ouvir... parecia saber que sua voz e suas palavras eram capazes de transformar aquela alma do outro lado da linha. Os dois viviam o mesmo dilema. Não queriam se afastar porque gostavam muito um do outro, mas também não podiam ficar juntos. Não agora.


As conversas deles, por mais rápidas que fossem, tinham o poder de mudar o astral do seu dia. Ela desligava o telefone radiante. Ele fazia tão bem a ela... elogios e declarações, entre promessas e segredos. Eles se entendiam, compreendiam-se plenamente. A sintonia, a sincronia, nada tirava da cabeça dela que havia algo mais forte, mais profundo entre eles.


A chuva continuou. A cidade estava alagada. Ele foi dormir na casa do tio, não havia como chegar em casa. Ela voltou para sua cama, abraçou os travesseiros. Queria voltar a dormir e sonhar com ele. Agarrou-se aos lençóis, lembrando-se dele. Aqueles lençóis ainda tinham o cheiro da última vez em que ele esteve ali.

quinta-feira, 30 de janeiro de 2014

O Príncipe Azul

Sábado em Ipanema. Show na praia. Noite de janeiro. Calor de verão. Estou dançando na areia e perto de mim um grupo de argentinos. Entre uma música e outra, resolvo dar um mergulho. Quando estou entrando na água, um dos meninos da turma ao lado vem falar comigo. Ele achou que eu também era do país vizinho. Ele era. Perguntou se era a primeira vez que eu entrava no mar à noite. Fora as ondinhas que eu pulava em virada de ano, sim. Respondi afirmativamente. Mergulhei e fiquei uns minutos dentro da água.
Voltando à areia, o show continua. Já chego dançando. Meu novo colega está ali ao lado. Ele vem conversar, apesar da música alta dificultar bastante a comunicação. Isso dá a ele o pretexto para chegar bem perto do meu ouvido. Como estamos na praia, meu traje de festa era um biquíni. O rapaz me pergunta sobre as flores tatuadas em meu corpo e digo a ele que se trata de uma cerejeira. Ele diz que são lindas e me pergunta se eu gosto  de cerejas. Mostro a ele a cereja tatuada atrás da orelha. Com esta deixa, transparece em seu olhar uma leve malícia, e vem a pergunta afiada: "alguém já comeu esta cereja ou você está esperando pelo príncipe 'azul'?" 
O "hermano" me deixou sem resposta. Ele também ficou sem graça com sua pergunta. Mas pelo visto as jovens argentinas ainda esperam pelo príncipe encantado. Ou buscam? Ou será que apenas sonham com ele? E existirá tal ser lendário? Um ser perfeito que se encaixe nos sonhos das meninas? Existirá no mundo um príncipe "azul" para cada princesa sonhadora?

segunda-feira, 30 de dezembro de 2013

Uma dança

Apenas uma dança. Mas parece uma eternidade. Não canso de olhar seus olhos.
Como se ainda sentisse seu corpo abraçando o meu.
Uma música tocava. Eu não ouvia, não via nada além de você.
Não lembro nada que se passou antes. Não importa nada que se passou depois.
Uma dança. Só aquela dança importa.
Você, eu, nada mais.

E seus olhos ainda me seguem, me buscam. Também te busquei noite adentro.
Nossos olhos voltaram a se encontrar. Nossos corpos ainda têm muito a dançar...
Se não houvesse amanhã, aquela dança seria tudo. O que tivemos, o que vivemos.
Se não houvesse amanhã, ainda haveria aquela dança.
Se não houvesse amanhã, o que vivemos?
Vivemos como se não houvesse amanhã?

Se não houvesse amanhã, o que eu faria diferente hoje?

Abraçar mais, agradecer mais, não perder por nada a oportunidade de ganhar um beijo...
Sorrir mais, rir mais, não perder a oportunidade de uma boa gargalhada!
Ouvir uma música nova, ouvir os pássaros cantarem, ouvir os segredos do vento.
Cantar na chuva, dançar na frente do espelho, dizer "bom dia" aos vizinhos!
Andar mais, exercitar o corpo, caminhar por um novo caminho...

Se não houvesse amanhã, não gostaria de me arrepender por nada que deixei de fazer.
Se não houvesse amanhã, ontem teria te beijado.